Organizações pedem que Congresso e STF garantam participação social
Alteração na análise de medidas provisórias impossibilita participação da sociedade civil e prejudica construção de sociedade democrática, avalia documento
A necessidade de ações rápidas e emergenciais por conta da pandemia de Covid-19, doença respiratória causada pelo Sars-CoV-2, o novo coronavírus, além de famílias, estudantes e redes de ensino, vem impactando significativamente a política no Brasil.
Um dos efeitos mais importantes – embora nem sempre citado – é a alteração do rito legislativo das medidas provisórias (MPs) durante o estado de calamidade pública oficial, em vigor até 31 de dezembro deste ano.
O rito foi alterado no início de abril por meio de ato conjunto da Câmara e do Senado. Entre as mudanças, o ato reduz de 120 para 16 dias o prazo de validade das matérias editadas durante a vigência da crise da Covid-19 e dispensa a apreciação por comissões mistas, de maneira que as MPs podem ser analisadas diretamente pelos plenários das Casas, em sessão remota.
Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre durante ato conjunto que alterou regras de tramitação das medidas provisórias. Foto: Marcos Brandão/Senado Federal.
Desde fevereiro, o governo federal já editou 28 MPs relacionadas à pandemia, mas, em meio às mudanças, algo foi esquecido: a necessidade de participação social no processo legislativo dentro de uma sociedade verdadeiramente democrática.
A avaliação é do Pacto pela Democracia, que, nesta semana, publicou carta aberta endereçada ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal (STF) visando à promoção da participação da sociedade civil nos processos decisórios.
“Compreendemos plenamente a excepcionalidade do momento e a
premência em garantir celeridade e efetividade aos processos de tomada de
decisão de todos os Poderes da República no combate à pandemia e suas graves
consequências para o país. Entretanto, temos convicção de que toda e qualquer
alteração nos processos que alicerçam a construção cotidiana da democracia
brasileira deva garantir a viabilidade da participação da sociedade, conforme
prevê a Constituição Federal”, afirma o documento.
O momento é, de fato, singular, porém, a possibilidade de interlocução e incidência da sociedade civil no processo legislativo – sobretudo em tempos de fragilidades – é uma exigência que não pode ser relevada. A participação social e a pluralidade são fundamentais ao regime democrático e não podem ser comprometidas sob pretexto algum.”
Pacto pela Democracia
A carta faz referência, ainda, às alterações promovidas pelo
ato conjunto da Câmara e Senado, ao ressaltar que o novo rito impôs prazos
muito curtos para a apreciação das MPs, impossibilitando uma análise mais
aprofundada por parte da sociedade: “Na prática, a eliminação desse espaço de
debate e deliberação propostos pelo Congresso Nacional inviabiliza a
participação da sociedade civil no processo legislativo, tornando-o
insuficiente sob as perspectivas democrática e constitucional”.
Por isso, o documento solicita que as mesas diretoras das duas Casas revisem o rito e pede ao Supremo, que, ao analisar o pedido da União que requer a suspensão do prazo de tramitação das MPs, indefira a ação e “garanta que a solução a ser dada ao caso assegure a ampla participação da sociedade civil no processo legislativo, como preconiza a Constituição Federal brasileira”.
Mais de 50 organizações assinam a carta, inclusive o CENPEC Educação. Assista ao vídeo.
Leia o documento na íntegra.
Pela participação social no processo legislativo
Carta aberta ao Supremo Tribunal Federal e ao
Congresso Nacional
Senhoras e senhores,
As entidades da sociedade civil
abaixo subscritas receberam com significativa preocupação as alterações do rito
legislativo das medidas provisórias durante o período em que vigora o estado de
calamidade pública no Brasil em razão da pandemia de COVID-19, decretado até 31
de dezembro de 2020. Por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental nº 663, o Presidente da República ousou pedir ao Supremo Tribunal
Federal suspensão do prazo de tramitação das medidas provisórias, ação
flagrantemente inconstitucional que, na prática, se atendida, significaria a
revogação do princípio da separação dos Poderes da República e a retomada de
uma herança amarga do regime ditatorial brasileiro, o decreto-lei. A resposta
dada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal a partir do Ato Conjunto
nº 1 de 2020 (publicado a partir da decisão monocrática proferida na ADPF 663),
ainda que valiosa, se mostrou insuficiente por ignorar o caráter fundamental da
participação social no processo legislativo dentro de uma sociedade
verdadeiramente democrática.
Compreendemos plenamente a
excepcionalidade do momento e a premência em garantir celeridade e efetividade
aos processos de tomada de decisão de todos os Poderes da República no combate
à pandemia e suas graves consequências para o país. Entretanto, temos convicção
de que toda e qualquer alteração nos processos que alicerçam a construção
cotidiana da democracia brasileira deva garantir a viabilidade da participação
da sociedade, conforme prevê a Constituição Federal. O momento é, de fato,
singular, porém, a possibilidade de interlocução e incidência da sociedade
civil no processo legislativo – sobretudo em tempos de fragilidades – é uma
exigência que não pode ser relevada. A participação social e a pluralidade são
fundamentais ao regime democrático e não podem ser comprometidas sob pretexto
algum.
Conforme já demonstrado pela Câmara
do Deputados e pelo Senado Federal, que prontamente criaram mecanismos que
possibilitam o exame das medidas provisórias em novo rito, em vista da situação
de emergência surgida com a pandemia do coronavírus, reiteramos não haver
necessidade de suspensão do prazo de tramitação das medidas provisórias, como
pretendido pelo Senhor Presidente da República. Assim, as entidades signatárias
entendem que deve ser mantido o indeferimento do pedido de suspensão do prazo
de tramitação das medidas provisórias, feito pela União Federal.
Todavia, também avaliamos que, embora
garanta o exercício legislativo por meio da tramitação remota, o rito proposto
pelas Mesas da Câmara e do Senado carece de revisões e aperfeiçoamentos
fundamentais. Isso porque há a supressão da análise das matérias por meio de Comissão
Mista, espaço garantido pelo Artigo 62, parágrafo 9 da Constituição Federal e
primordial para interlocução junto à sociedade, o que inclui a academia,
especialistas, organizações da sociedade civil e todos aqueles que tenham
interesse em debater e contribuir na construção e no processo legislativo.
Preocupa-nos também que o novo rito
impôs prazos muito exíguos para apreciação das MPs, tornando infactível que a
população disponha de tempo razoável e oportunidade para o adequado exame,
discussão, e eventual apresentação de subsídios para aprimoramento do texto
original por meio de emendas. Ou seja, na prática, a eliminação desse espaço de
debate e deliberação propostos pelo Congresso Nacional inviabiliza a
participação da sociedade civil no processo legislativo, tornando-o
insuficiente sob as perspectivas democrática e constitucional.
A tramitação na Comissão Mista pode –
e deve – ser adequada à necessidade de deliberação remota conforme as soluções
tecnológicas já adotadas pelas Casas e os prazos podem ser ajustados
excepcionalmente a fim de garantir a celeridade necessária diante da realidade
de pandemia no Brasil.
Considerando que a matéria será
objeto de deliberação pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, as entidades
signatárias vêm apresentar suas preocupações:
Com a chancela da atual liminar pela eliminação,
por um ato do Poder Legislativo, de um dispositivo constitucional – a Comissão
Mista – sob o entendimento de que o rito estabelecido para exame das medidas
provisórias viola importante pilar da democracia, a participação social;
Com a importância da garantia constitucional de que o Poder Legislativo seguirá exercendo seu papel de controle político de atos do Poder Executivo, bem como sua prerrogativa de formulação de leis e ampla análise daquelas propostas pela presidência da República.
Dessa maneira, solicitamos que, de um lado, as Mesas Diretoras do Senado Federal e da Câmara dos Deputados façam as adaptações necessárias no rito já posto em prática para exame e deliberação das medidas provisórias, de acordo com o acima exposto. E que o Supremo Tribunal Federal, ao examinar a matéria, junto com o indeferimento dos pedidos formulados pela União Federal, garanta que a solução a ser dada ao caso assegure a ampla participação da sociedade civil no processo legislativo, como preconiza a Constituição Federal brasileira.
Respeitosamente, 15 de abril de 2020.
Assinam:
ABI – Associação Brasileira de Imprensa
Ação Educativa
ACT Promoção da Saúde
Agenda Pública
Aliança Nacional LGBTI+
Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo
BrCidades
CENPEC Educação
Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante
Coalizão Direitos na Rede
Conectas Direitos Humanos
Delibera Brasil
Departamento Jurídico XI de Agosto
Educafro – Educação e cidadania de afrodescendente e carentes
Frente Favela Brasil
Fundação Avina
Fundação Tide Setubal
Geledes Instituto da Mulher Negra
GESTOS – Soropositividade, Comunicação e Gênero
Goianas na Urna
Greenpeace Brasil
Hivos – Instituto Humanista para Cooperação e Desenvolvimento
Iniciativa Negra Por Uma Nova Política sobre Drogas
inPACTO – Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo
Instituto Akatu
Instituto Alana
Instituto Alziras
Instituto Beta: Internet & Democracia
Instituto Clima e Sociedade
Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
IDDD – Instituto de Defesa do Direito de Defesa
Instituto de Estudos Socioeconômicos
Instituto de Governo Aberto
Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
Instituto Nossa Ilhéus
Instituto Physis – Cultura & Ambiente
Instituto Pólis
Instituto Soma Brasil
Instituto Sou da Paz
Instituto Update
Instituto Vladimir Herzog
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Movimento Agora!
Oxfam Brasil
Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político
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